Pesquisa revela que esse sentimento é processado na mesma
região cerebral que a dor física. Saiba como controlá-lo.

Certa vez, um
homem, extremamente invejoso de seu vizinho, recebeu a visita de um
gênio, que lhe ofereceu a chance de realizar um desejo. "Você pode pedir
o que quiser, desde que seu vizinho receba o mesmo e em dobro",
sentenciou. O invejoso respondeu, então, que queria que ela lhe
arrancasse um olho. Moral da história: o prazer de ver o outro se
prejudicar prevaleceu sobre qualquer vontade.
Ao mesmo tempo que o ciúme é querer manter o que se tem e a cobiça é
desejar aquilo que não lhe pertence, a inveja é não querer que o outro
tenha. O mais renegado dos sete pecados capitais é uma emoção inerente à condição humana, por mais difícil que seja confessá-la. Afinal, todo mundo, em algum momento da vida, já sentiu vontade de ser como alguém. Há até um lugar no cérebro reservado para a inveja. Pela primeira vez, uma pesquisa científica mostra onde ela e o shadenfreude - palavra alemã que dá nome ao sentimento de prazer que o invejoso experimenta ao presenciar o infortúnio do invejado - são processados na mente humana.

De autoria do
neurocientista japonês Hidehiko Takahashi, do Instituto Nacional de
Ciência Radiológica, em Tóquio, o estudo "Quando a sua Conquista É a
minha Dor e a sua Dor É a minha Conquista: Correlações Neurais da Inveja
e do Shadenfreude foi publicado recentemente pela prestigiada revista
cientifica americana Science. Por meio de ressonância magnética
realizada em 19 voluntários (dez homens e nove mulheres), na faixa
etária dos 20 anos, foi possível identificar onde os sentimentos são
processados no cérebro. Ao sentir inveja, a região do córtex singulado
anterior é ativada.
O interessante é notar que é nesse mesmo local que a dor física se processa.
"A inveja é uma emoção dolorosa",
afirma Takahashi. O shadenfreude, por sua vez, se estabelece no
estriado ventral, exatamente onde se processa a sensação de prazer. "O
invejoso fica realizado com a desgraça do invejado", diz o pesquisador.
Durante a pesquisa, Takahashi induziu os voluntários a imaginarem um
cenário que envolvia outros três personagens, do mesmo sexo, faixa
etária e profissão que eles. Dois deles seriam, hipoteticamente, mais
capazes e inteligentes.
Dessa
comparação nasce a inveja, especialmente quando as pessoas são muito
parecidas. Ou seja, é mais comum uma mulher se incomodar com outra, da
mesma faixa etária e profissão, do que com alguém com características
totalmente diferentes. "Trata-se de um sentimento caracterizado pela
sensação de inferioridade", explica o neurocientista Takahashi. "Quando
há essa sensação, é porque houve comparação e a pessoa perdeu."
"A minha inveja se repetia enquanto houvesse
situações de comparação"
R. relata que a
inveja sempre o perseguiu na escola e que nutria o sentimento pelos
colegas de classe que conquistavam as garotas com facilidade. Na vida
adulta, sofria quando um colega ator conseguia um teste para o melhor
papel de uma produção.
O sentimento o
corroía tanto que ele chegou a invejar o modo como uma determinada
jaqueta de couro caía bem em um conhecido. "O que me deixava mal era
saber que a roupa não ficaria tão boa em mim", confessa R. "A minha
inveja se repetia enquanto houvesse situações de comparação."
Insatisfeito em se projetar o tempo todo nos outros, R. foi em busca de
auto-conhecimento.
Fez terapia e
mergulhou na meditação. "Percebi que o problema era comigo", reconhece.
"Sou inseguro em relação à maneira como a sociedade me vê." Amparado,
aprendeu a lidar com a questão. "Hoje em dia, sempre que vou sentir
inveja de alguém, me pergunto: ser como ele é melhor do que ser quem
sou?"
Além
da insegurança, a baixa autoestima, o sentimento de incapacidade e a
sensação de injustiça são características comuns aos invejosos. "Pessoas
bem resolvidas e esclarecidas tendem a ter menos inveja", diz o
psiquiatra José Thomé, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Mas por que há
pessoas muito invejosas e outras que passam a vida quase sem sentir essa
emoção? A psicóloga Sueli Damergian, professora da Universidade de São
Paulo (USP), acredita que o segredo está em não ultrapassar a linha da
afeição. "A inveja é sempre fruto da admiração", diz. "Se ela ficar
restrita a isso, pode funcionar como impulso para o desenvolvimento." O
problema é quando essa barreira é rompida. "Se o impulso destrutivo for
muito forte, o invejoso passa a viver a vida do outro e isso pode ser
danoso tanto para ele quanto para o invejado."

EU QUERO!! As crianças, manifestam a inveja por meio da cobiça
A emoção, no entanto, começa a se tornar mais visível na primeira infância e se manifesta na forma de cobiça. P.
5 anos, e M, 4, são primos e estudam juntos. "Eles disputam tudo: a
atenção da família, dos professores, dos colegas", diz a educadora
Caroline de Oliveira, 32 anos, mãe de P. "M. é mais de cobiçar os
brinquedos do primo, e ele, por sua vez, disputa a atenção das pessoas
quando ela se destaca." Para lidar com a atenção, a mãe explica para o
filho que não é possível ter tudo o tempo todo. "Tento prepará- lo para
lidar com essa sensação, que estará sempre presente."
Em casos
patológicos, que, segundo especialistas, são mais comuns do que se
imagina, quem sofre do mal é capaz de caluniar, perseguir, e, em casos
mais extremos, desejar a morte do invejado. Há, também, os que
somatizam. Nessas situações, podem apresentar quadro depressivo,
autodestrutivo, agressividade e tendências suicidas. O psiquiatra Thomé
acredita que, salvo os casos patológicos, as pessoas têm livre-arbítrio para viver ou eliminar a inveja. "É um sentimento muito primitivo, que deve ser trabalhado."
Em "família" filhas de pais diferentes, as irmãs vivem se comparando
Comum em toda a
sorte de relações humanas, a inveja está presente até mesmo dentro de
casa. As irmãs J. e L. , 25 e 23 anos, respectivamente, e suas
meias-irmãs F. e G., 17 e 13, moram juntas e compartilham da incômoda
emoção. Filhas da mesma mãe e de pais diferentes, estão sempre se
comparando e lamentando aquilo que não são.
As mais velhas
invejam a vida cheia de oportunidades das mais novas. "Aos 15 anos,
quando precisava de dinheiro, trabalhava", diz J. "A F. não precisa
disso." F. reconhece. "Não fico tripudiando, mas reconheço que me sinto
recompensada por ter vantagens em relação às minhas irmãs mais velhas,
apesar de elas estudarem tanto", diz. "Ao mesmo tempo, queria ser como
elas: tirar boas notas e não ficar de castigo."
"Invejava a cultura, a erudição e a inteligência dos dois"
R. M. 34 anos, sobre a ex-professora de história e o personagem Visconde de Sabugosa, de Monteiro Lobato
Entre a inveja
destrutiva e a construtiva, a artista plástica R. M. 34 anos, ficou com a
segunda. Garota curiosa, ela teve consciência do sentimento ainda na
pré-adolescência. Queria ser como o Visconde de Sabugosa, personagem de
Monteiro Lobato, em "O Sítio do Pica-Pau Amarelo" - é recorrente a
inveja de personagens fictícios ou pessoas distantes do convívio, como
as celebridades. Seu segundo contato com a emoção, dessa vez mais
realista, foi por meio da professora de história. "Invejava a cultura, a
erudição e a inteligência dos dois", diz R. Numa versão light do
sentimento, ela nem chegou a desejar o infortúnio de seus invejados.
"Queria ser como eles, mas não me sentia inferiorizada nem injustiçada",
diz.
A maneira que
encontrou para lidar com a questão foi mergulhar nos livros. "Ler muito,
estudar, pesquisar", diz. Quando a pessoa consegue fazer com que o
sentimento, em tese negativo, impulsione ações positivas, ela o
transforma no que os especialistas chamam de inveja criativa. "Inveja,
ciúme e raiva são tão importantes quanto a visão, a sexualidade e a
alimentação", defende o psiquiatra Carlos Byington. "Todos eles trazem
informações importantes para formar e transformar a própria identidade."
Hoje, Roberta é frequentadora assídua de biblioteca e museu. E diz não
sentir mais inveja de nada, nem de ninguém. "Descobri que as pessoas são
únicas e que não devemos seguir padrões alheios."
O ambiente de trabalho, por sua vez, também é terreno fértil para os invejosos. Uma
pesquisa das universidades de Warwick e Oxford, na Inglaterra, mostra
que nem sempre se inveja a maneira de ser do rival, mas suas posses. No
experimento, os entrevistados poderiam ganhar ou "queimar" o dinheiro do
concorrente, sob o custo de perder parte de sua verba - 62% dos
participantes escolheram se voltar contra o outro. Segundo a psicóloga
Glaura Maria Verdiani, autora da tese de mestrado "Um Estudo sobre a
Inveja no Ambiente Organizacional", pelo Centro Universitário de
Araraquara (SP), é provável que esse sentimento esteja impregnado em
100% das relações profissionais.
"Em uma equipe
de 30 pessoas, é possível que todos invejem alguém, em algum nível",
revela. A emoção pode ter origem em qualquer um e partir para diferentes
direções. Acontece entre pessoas do mesmo cargo, funcionários de
funções inferiores e superiores. "Há chefes invejosos de seus
subordinados, que são mais jovens, mais dispostos e, muitas vezes, mais
talentosos", diz Sueli.
"O ex-marido da minha colega me disse que ela tinha ódio mortal de mim e queria me destruir"
C. N. designer, 28 anos
Aos 28 anos, a
designer C. N. foi vítima da inveja em seu local de trabalho. Até seis
meses atrás, ela era a única funcionária entre vários homens do
departamento em que trabalhava, numa agência de publicidade em São
Paulo. Sua vida profissional virou de pernas para o ar com a chegada de
outra garota, da mesma idade, que passou a dar expediente numa função
com remuneração menor. No início, as duas se davam bem - ao menos
aparentemente. Até que a nova colega passou a evitá-la e agir de maneira
estranha.
"Ela não fazia o
tipo feminina e, de repente, começou a me pedir dicas de maquiagem",
conta C. Além disso, mais gordinha, passou a se preocupar com a
quantidade de calorias que ingeria. "Essa neurose começou depois que os
meninos compararam o corpo dela com o meu", diz. Com o tempo, o melhor
amigo de C. se afastou. E seu supervisor passou a implicar com seu
trabalho.
A designer
desconfia que foi vítima de calúnias. "Certa vez, meu chefe foi
grosseiro comigo", conta. "Nessa hora, pude ver no rosto dela que estava
rindo por dentro." Triste com a situação, C. pediu para ser demitida.
"O ex-marido dela me disse que ela tinha ódio mortal de mim e queria me
destruir", conta. Apesar da atitude drástica que teve de tomar, ela não
acredita que a colega tenha saído vitoriosa. "Ela conseguiu me eliminar,
mas estou muito feliz fora de lá", afirma.
Em novembro
passado, nos Estados Unidos, o ex-âncora de telejornal Larry Mendte, 51
anos, além de demitido, foi condenado a pagar uma multa de US$ 5 mil (R$
10,1 mil) e a prestar 250 horas de serviços comunitários por violar o
e-mail de sua colega de bancada, Alycia Lane, 36 anos. Por dois anos,
Mendte enviou mensagens se fazendo passar por ela para veículos de
imprensa e colegas de trabalho. Durante o caso, admitiu ter inveja por
causa do salário anual de US$ 780 mil (R$ 1,6 milhão) de Alycia. "O meu
papel na emissora estava sendo reduzido quando ela me falou que era a
nova estrela", disse, à época.
Na Bíblia,
encontramos um relato típico de "inveja", quando o Rei Saul não suportou
conviver com o sucesso das conquistas de Davi como general do seu
exército. Então, o perseguiu ferozmente antes mesmo deste se tornar o
maior Rei de Israel.
Abaixo, no
decorrer de várias trajetórias de vidas ilustres, seguem-se os invejosos
e invejados. Por isso, a importância de estruturar-se emocionalmente,
porque com o sucesso, segue a inveja inevitavelmente!