quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A inveja explicada pela Neurociência

Pesquisa revela que esse sentimento é processado na mesma 

região cerebral que a dor física. Saiba como controlá-lo.

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Certa vez, um homem, extremamente invejoso de seu vizinho, recebeu a visita de um gênio, que lhe ofereceu a chance de realizar um desejo. "Você pode pedir o que quiser, desde que seu vizinho receba o mesmo e em dobro", sentenciou. O invejoso respondeu, então, que queria que ela lhe arrancasse um olho. Moral da história: o prazer de ver o outro se prejudicar prevaleceu sobre qualquer vontade.

Ao mesmo tempo que o ciúme é querer manter o que se tem e a cobiça é desejar aquilo que não lhe pertence, a inveja é não querer que o outro tenha. O mais renegado dos sete pecados capitais é uma emoção inerente à condição humana, por mais difícil que seja confessá-la. Afinal, todo mundo, em algum momento da vida, já sentiu vontade de ser como alguém. Há até um lugar no cérebro reservado para a inveja. Pela primeira vez, uma pesquisa científica mostra onde ela e o shadenfreude - palavra alemã que dá nome
ao sentimento de prazer que o invejoso experimenta ao presenciar o infortúnio do invejado - são processados na mente humana.
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De autoria do neurocientista japonês Hidehiko Takahashi, do Instituto Nacional de Ciência Radiológica, em Tóquio, o estudo "Quando a sua Conquista É a minha Dor e a sua Dor É a minha Conquista: Correlações Neurais da Inveja e do Shadenfreude foi publicado recentemente pela prestigiada revista cientifica americana Science. Por meio de ressonância magnética realizada em 19 voluntários (dez homens e nove mulheres), na faixa etária dos 20 anos, foi possível identificar onde os sentimentos são processados no cérebro. Ao sentir inveja, a região do córtex singulado anterior é ativada.
O interessante é notar que é nesse mesmo local que a dor física se processa
"A inveja é uma emoção dolorosa", afirma Takahashi. O shadenfreude, por sua vez, se estabelece no estriado ventral, exatamente onde se processa a sensação de prazer. "O invejoso fica realizado com a desgraça do invejado", diz o pesquisador. Durante a pesquisa, Takahashi induziu os voluntários a imaginarem um cenário que envolvia outros três personagens, do mesmo sexo, faixa etária e profissão que eles. Dois deles seriam, hipoteticamente, mais capazes e inteligentes.
Dessa comparação nasce a inveja, especialmente quando as pessoas são muito parecidas. Ou seja, é mais comum uma mulher se incomodar com outra, da mesma faixa etária e profissão, do que com alguém com características totalmente diferentes. "Trata-se de um sentimento caracterizado pela sensação de inferioridade", explica o neurocientista Takahashi. "Quando há essa sensação, é porque houve comparação e a pessoa perdeu."

"A minha inveja se repetia enquanto houvesse 
situações de comparação" 
 R. relata que a inveja sempre o perseguiu  na escola e que nutria o sentimento pelos colegas de classe que conquistavam as garotas com facilidade. Na vida adulta, sofria quando um colega ator conseguia um teste para o melhor papel de uma produção.
O sentimento o corroía tanto que ele chegou a invejar o modo como uma determinada jaqueta de couro caía bem em um conhecido. "O que me deixava mal era saber que a roupa não ficaria tão boa em mim", confessa R. "A minha inveja se repetia enquanto houvesse situações de comparação." Insatisfeito em se projetar o tempo todo nos outros, R. foi em busca de auto-conhecimento.
Fez terapia e mergulhou na meditação. "Percebi que o problema era comigo", reconhece. "Sou inseguro em relação à maneira como a sociedade me vê." Amparado, aprendeu a lidar com a questão. "Hoje em dia, sempre que vou sentir inveja de alguém, me pergunto: ser como ele é melhor do que ser quem sou?"
Além da insegurança, a baixa autoestima, o sentimento de incapacidade e a sensação de injustiça são características comuns aos invejosos. "Pessoas bem resolvidas e esclarecidas tendem a ter menos inveja", diz o psiquiatra José Thomé, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Mas por que há pessoas muito invejosas e outras que passam a vida quase sem sentir essa emoção? A psicóloga Sueli Damergian, professora da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o segredo está em não ultrapassar a linha da afeição. "A inveja é sempre fruto da admiração", diz. "Se ela ficar restrita a isso, pode funcionar como impulso para o desenvolvimento." O problema é quando essa barreira é rompida. "Se o impulso destrutivo for muito forte, o invejoso passa a viver a vida do outro e isso pode ser danoso tanto para ele quanto para o invejado."
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EU QUERO!! As crianças, manifestam a inveja por meio da cobiça


A emoção, no entanto, começa a se tornar mais visível na primeira infância e se manifesta na forma de cobiça. P. 5 anos, e M, 4, são primos e estudam juntos. "Eles disputam tudo: a atenção da família, dos professores, dos colegas", diz a educadora Caroline de Oliveira, 32 anos, mãe de P. "M. é mais de cobiçar os brinquedos do primo, e ele, por sua vez, disputa a atenção das pessoas quando ela se destaca." Para lidar com a atenção, a mãe explica para o filho que não é possível ter tudo o tempo todo. "Tento prepará- lo para lidar com essa sensação, que estará sempre presente."

Em casos patológicos, que, segundo especialistas, são mais comuns do que se imagina, quem sofre do mal é capaz de caluniar, perseguir, e, em casos mais extremos, desejar a morte do invejado. Há, também, os que somatizam. Nessas situações, podem apresentar quadro depressivo, autodestrutivo, agressividade e tendências suicidas. O psiquiatra Thomé acredita que, salvo os casos patológicos, as pessoas têm livre-arbítrio para viver ou eliminar a inveja. "É um sentimento muito primitivo, que deve ser trabalhado."

             Em "família" filhas de pais diferentes, as irmãs vivem se comparando
Comum em toda a sorte de relações humanas, a inveja está presente até mesmo dentro de casa. As irmãs J. e L. , 25 e 23 anos, respectivamente, e suas meias-irmãs F. e G., 17 e 13, moram juntas e compartilham da incômoda emoção. Filhas da mesma mãe e de pais diferentes, estão sempre se comparando e lamentando aquilo que não são.
As mais velhas invejam a vida cheia de oportunidades das mais novas. "Aos 15 anos, quando precisava de dinheiro, trabalhava", diz J. "A F. não precisa disso." F. reconhece. "Não fico tripudiando, mas reconheço que me sinto recompensada por ter vantagens em relação às minhas irmãs mais velhas, apesar de elas estudarem tanto", diz. "Ao mesmo tempo, queria ser como elas: tirar boas notas e não ficar de castigo."




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"Invejava a cultura, a erudição e a inteligência dos dois"
R. M. 34 anos, sobre a ex-professora de história e o personagem Visconde de Sabugosa, de Monteiro Lobato


Entre a inveja destrutiva e a construtiva, a artista plástica R. M. 34 anos, ficou com a segunda. Garota curiosa, ela teve consciência do sentimento ainda na pré-adolescência. Queria ser como o Visconde de Sabugosa, personagem de Monteiro Lobato, em "O Sítio do Pica-Pau Amarelo" - é recorrente a inveja de personagens fictícios ou pessoas distantes do convívio, como as celebridades. Seu segundo contato com a emoção, dessa vez mais realista, foi por meio da professora de história. "Invejava a cultura, a erudição e a inteligência dos dois", diz R. Numa versão light do sentimento, ela nem chegou a desejar o infortúnio de seus invejados. "Queria ser como eles, mas não me sentia inferiorizada nem injustiçada", diz.
A maneira que encontrou para lidar com a questão foi mergulhar nos livros. "Ler muito, estudar, pesquisar", diz. Quando a pessoa consegue fazer com que o sentimento, em tese negativo, impulsione ações positivas, ela o transforma no que os especialistas chamam de inveja criativa. "Inveja, ciúme e raiva são tão importantes quanto a visão, a sexualidade e a alimentação", defende o psiquiatra Carlos Byington. "Todos eles trazem informações importantes para formar e transformar a própria identidade." Hoje, Roberta é frequentadora assídua de biblioteca e museu. E diz não sentir mais inveja de nada, nem de ninguém. "Descobri que as pessoas são únicas e que não devemos seguir padrões alheios."

O ambiente de trabalho, por sua vez, também é terreno fértil para os invejosos.  Uma pesquisa das universidades de Warwick e Oxford, na Inglaterra, mostra que nem sempre se inveja a maneira de ser do rival, mas suas posses. No experimento, os entrevistados poderiam ganhar ou "queimar" o dinheiro do concorrente, sob o custo de perder parte de sua verba - 62% dos participantes escolheram se voltar contra o outro. Segundo a psicóloga Glaura Maria Verdiani, autora da tese de mestrado "Um Estudo sobre a Inveja no Ambiente Organizacional", pelo Centro Universitário de Araraquara (SP), é provável que esse sentimento esteja impregnado em 100% das relações profissionais.
"Em uma equipe de 30 pessoas, é possível que todos invejem alguém, em algum nível", revela. A emoção pode ter origem em qualquer um e partir para diferentes direções. Acontece entre pessoas do mesmo cargo, funcionários de funções inferiores e superiores. "Há chefes invejosos de seus subordinados, que são mais jovens, mais dispostos e, muitas vezes, mais talentosos", diz Sueli.
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"O ex-marido da minha colega me disse que ela tinha ódio mortal de mim e queria me destruir" 
C. N. designer, 28 anos
Aos 28 anos, a designer C. N. foi vítima da inveja em seu local de trabalho. Até seis meses atrás, ela era a única funcionária entre vários homens do departamento em que trabalhava, numa agência de publicidade em São Paulo. Sua vida profissional virou de pernas para o ar com a chegada de outra garota, da mesma idade, que passou a dar expediente numa função com remuneração menor. No início, as duas se davam bem - ao menos aparentemente. Até que a nova colega passou a evitá-la e agir de maneira estranha.
"Ela não fazia o tipo feminina e, de repente, começou a me pedir dicas de maquiagem", conta C. Além disso, mais gordinha, passou a se preocupar com a quantidade de calorias que ingeria. "Essa neurose começou depois que os meninos compararam o corpo dela com o meu", diz. Com o tempo, o melhor amigo de C. se afastou. E seu supervisor passou a implicar com seu trabalho.
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A designer desconfia que foi vítima de calúnias. "Certa vez, meu chefe foi grosseiro comigo", conta. "Nessa hora, pude ver no rosto dela que estava rindo por dentro." Triste com a situação, C. pediu para ser demitida. "O ex-marido dela me disse que ela tinha ódio mortal de mim e queria me destruir", conta. Apesar da atitude drástica que teve de tomar, ela não acredita que a colega tenha saído vitoriosa. "Ela conseguiu me eliminar, mas estou muito feliz fora de lá", afirma.
Em novembro passado, nos Estados Unidos, o ex-âncora de telejornal Larry Mendte, 51 anos, além de demitido, foi condenado a pagar uma multa de US$ 5 mil (R$ 10,1 mil) e a prestar 250 horas de serviços comunitários por violar o e-mail de sua colega de bancada, Alycia Lane, 36 anos. Por dois anos, Mendte enviou mensagens se fazendo passar por ela para veículos de imprensa e colegas de trabalho. Durante o caso, admitiu ter inveja por causa do salário anual de US$ 780 mil (R$ 1,6 milhão) de Alycia. "O meu papel na emissora estava sendo reduzido quando ela me falou que era a nova estrela", disse, à época.




Na Bíblia, encontramos um relato típico de "inveja", quando o Rei Saul não suportou conviver com o sucesso das conquistas de Davi como general do seu exército. Então, o perseguiu ferozmente antes mesmo deste se tornar o maior Rei de Israel.

Abaixo, no decorrer de várias trajetórias de vidas ilustres, seguem-se os invejosos e invejados. Por isso, a importância de estruturar-se emocionalmente, porque com o sucesso, segue a inveja inevitavelmente!



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